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Entrevista

Paula Beatriz de Souza Cruz

Primeira diretora trans da rede estadual de ensino

Primeira diretora trans do século XXI
Repórter: Carlos Augusto Júnior    |   09 dez 2021_18h00 

Basta fazer uma pesquisa rápida no Google, escrevendo “Primeira Diretora Trans do Brasil”, para logo aparecerem a fotografia e as informações de Paula Beatriz de Cruz Souza nas primeiras sugestões de resultados. Atuando na área de educação há mais de 31 anos, Paula é daquelas educadoras que veem a educação como o principal meio de transformação social e, por isso, luta diariamente para que sua prática pedagógica possa melhorar a vida de seus alunos e alunas. 

 

Sua história de vida, desde a sua infância até a sua adolescência, foi marcada por inúmeras descobertas. Com o sonho de ser professora desde criança, Paula fala que “sabia que [ela] não pertencia ao corpo que tinha nascido biologicamente e também conta que sempre teve uma boa relação com sua família. Ao se lembrar sobre o passado, ela se refere à sua imagem anterior como seu irmão gêmeo, não se livra de fotos ou tenta deixar para trás seu passado.

 

O procedimento de readequação de sexo ao qual Paula foi submetida aconteceu em 2007. Ainda antes de sua transição de gênero, Paula já era coordenadora, instrutora e diretora e sua transformação foi completada quando ainda era diretora. Ela disse ter se sentido confortável durante sua transição, em parte por causa do apoio de seus colegas e alunos. Por esse motivo, ela faz um esforço para apoiar outras pessoas em transição na comunidade escolar. Em 2013, retificou seus documentos para o sexo feminino e alterando seu nome civil para Paula Beatriz de Souza Cruz.

Hoje, aos 50 anos, ela se refere a si mesma como uma mulher transexual, negra, pedagoga, que é pós-graduada em Gestão Educacional, pela UNICAMP e pós-graduada em Docência no Ensino Superior pela Universidade Estácio de Sá. Diretora da EE Santa Rosa de Lima e Professora Aposentada na Prefeitura de São Paulo, Paula é ativista e militante independente dos movimentos sociais, políticos, educacionais e culturais LGBTQIAP+.


 
ENTREVISTA
 

Carlos: Como você se sente ao se lembrar que você é a primeira diretora trans da rede estadual de ensino, em uma país onde apenas 4% das mulheres trans e travestis estão inseridas no mercado de trabalho (ANTRA)? 

Paula: Sinto-me na responsabilidade de reverter esta situação no nosso país. Indago constantemente de eu ser a primeira diretora trans no século XXI. Sabemos que há mais dores e sofrimentos perpetuados nas vidas trans, são raras as exceções: sou uma delas. Estou em uma posição que tenho que dar voz à travestilidade e à transexualidade.

 

Carlos: Quais os maiores desafios enfrentados por uma mulher trans na escola, na sua perspectiva? 
 

Paula: Os desafios se iniciam já na educação infantil quando crianças são impedidas de escolher a brincadeira, já sendo impostas as estas crianças “isso é de menina ou aquilo é de menino”, ou ainda, ouvirmos que “rosa é para as meninas e o azul para os meninos”. E conseguir concluir a Educação Básica é um percurso que torna-se impossível devido a escola não acolher e nem se quer procurar mecanismos para com que travestis e transexuais permaneçam neste espaço. Devemos romper com as práticas da “expulsão compulsória” que muitas vezes é consciente e outras inconsciente.



Carlos: Ao longo de sua trajetória profissional e vida pessoal, você teve que lidar com a LGBTFOBIA ou alguma violência de gênero (machismo, misoginia, transfobia, violência doméstica)? Lembra de alguma situação específica? 
 

Paula: Digo sempre que sou uma felizarda quanto as situações de LGBTFobia ou de violência de gênero, pois até o presente momento não fui vítima de tais violências e o que também não me tornam isenta de a qualquer instante ser mais uma vítima para as estatísticas. Acredito que possa ocorrer de maneira velada porque muitos sabem que procurarei os direitos previstos.

 

Carlos: As escolas ainda são consideradas espaços homofóbicos. Em sua opinião, por que a maioria das escolas evita tratar de sexualidade, sobre temas lgbts e sobre violência de gênero e diversidade sexual? Quais as consequências disso? 
 

Paula: Não irei afirmar que as escolas ainda são consideradas espaços LGBTFóbicos, pois há muitas escolas realizando trabalhos quanto à diversidade sexual e de gênero. E nas escolas que não ocorrem parece-me que seja porque há medo, os ataques são constantes as escolas que promovem a discussão, reflexão e práticas de combate à violência LGBTQIAP+. Há a necessidade de formação específica para os profissionais de educação.
 

Carlos: Na escola onde você atua como diretora, você já presenciou ou teve de intervir em violências de gênero e diversidade sexual? Poderia narrar o fato?
 

Paula: Lembrei de um fato quando uma professora me chamou que havia uma briga na saída de estudantes e para minha surpresa deparo-me com um responsável agredindo a responsável. Num instante dei uma voadora  no cara e disse-lhe “gosta de bater em mulher? Vem.” Ele saiu rapidamente da escola e tomei as tratativas com a mãe, chamando a polícia pois presenciei uma violência contra a mulher. A mãe disse-me que não precisava e respondi firme para ela que este fato não passaria em branco aos meus olhos. Enfim, o agressor nunca mais apareceu na escola.

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