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Entrevista

Margareth Diniz

Professora e pesquisadora

"Famílias e escolas deveriam andar juntas em educar as crianças e adolescentes sobre a sexualidade"
Repórter: Carlos Augusto Júnior    |   09 dez 2021_18h00 

 

Margareth Diniz é professora associada de Psicologia da UFOP - Universidade Federal de Ouro Preto e foi uma das primeiras fontes especialistas a ser entrevistada. Durante a entrevista, ela explica o papel da escola e das atividades educativas frente à promoção da diversidade sexual e de gênero no Brasil, refletindo por que a educação deve ser um dos principais meios para reduzir a violência contra mulheres, LGBTs e outros grupos minoritários, e como a formação docente, que visa a inclusão e a equidade, pode contribuir para o combate a estigmas sexistas, discursos e práticas homofóbicas, dentre outros tipos de violência presentes no ambiente escolar.

Diniz também é Coordenadora do Observatório de Pesquisa Educacional CAPES/FAPEMIG e Líderdo Grupo de pesquisa Caleidoscópio/ UFOP/CNPQ, e coordena o Programa dePesquisa/extensão Caleidoscópio. Sua fala contribui para entendermos como a falta de educação sexual nas escolas acaba por limitar a discussão em torno do tema, silenciar vivências fora do padrão heteronormativo e manter privilégios patriarcais e masculinos em nossa sociedade.

A conversa também buscou descobrir como a pauta de diversidade sexual e de gênero
tem avançado na educação brasileira; por que a escola ainda é um ambiente hostil para
pessoas que não se enquadram nos padrões heteronormativos, e por qual motivo ainda há tanta resistência da sociedade e de grupos políticos e religiosos à educação sexual na escola.


 
ENTREVISTA
 

Carlos Augusto: Margareth, sabe-se que o debate em torno da educação sexual não é uma realidade em todas as escolas brasileiras. Estima-se que apenas 20% delas realmente promovam atividades relacionadas à temática. Então, primeiramente, gostaria de entender por que o tema continua sendo um tabu para a área educacional e como a educação pode contribuir para redução de violências de gênero e de diversidade sexual na sociedade.

 

Margareth Diniz: Primeiramente temos que entender que o tabu constituído em torno da sexualidade é histórico. Alguns autores e autoras, como Michel Foucault e Judith Butler, por exemplo, entendem que a sexualidade nunca esteve sob uma censura real, mas que o discurso sobre ela foi sendo construído através de mecanismos específicos de controle. A escola, por exemplo, atua como um desses dispositivos de controle, uma vez que a escola tem uma função complexa: ensinar sobre a sexualidade (a fim de perpetuar a cisheteronormatividade) e contornar e conter os corpos, para que não expressem suas sexualidades. Eu vejo este tabu como algo bastante complicado, pois todos os seres humanos experimentam as suas sexualidades de diferentes formas, porém há um certo imaginário de que a sexualidade está confinada apenas no ambiente privado, então considero que o tabu esteja localizado em falar sobre a sexualidade em alguns ambientes públicos, como a escola, ainda que essa discussão esteja na ordem do dia da instituição escolar. A educação pode contribuir muito para a redução das violências de gênero e de diversidades sexuais na sociedade ao passo que, ao trazer a discussão sobre o respeito, sobre as práticas sexuais seguras, sobre as diferentes orientações sexuais e identidades de gênero, consegue-se mobilizar uma formação que preze principalmente pelo respeito. É importante dizer que a Educação é uma grande ferramenta de mobilizar e desconstruir certos preconceitos da sociedade, pois, ao trabalhar a sexualidade em termos científicos, podemos retirar uma boa carga do tabu constituída sobre ela.

 

Carlos: Além de ser considerada um tabu, a discussão em torno da educação sexual gera inúmeras reivindicações negativas de grupos religiosos e políticos que discordam quanto a competência da escola em discutir sobre o assunto. Por que os grupos conservadores se opõem veemente à educação sexual e qual a consequência desses posicionamentos para a garantia da inclusão e equidade à comunidade LGBTQAI+, por exemplo?

 

Diniz: O que temos observado é uma profunda inversão de discurso quando os grupos religiosos e conservadores falam sobre a educação sexual nas escolas. É muito comum, por exemplo, encontrarmos, no interior desses grupos, discursos sobre uma suposta “ideologia de gênero” que prega que as pessoas nascem sem um gênero definido e que elas têm liberdade de ficarem mudando de gênero como bem entenderem; ou ainda que a escola está mais preocupada em ensinar as crianças a fazer sexo do que ensinar a ler e escrever. Tudo isso é um grande absurdo, chega a ser até fantasioso. Essas teorias conspiratórias sobre a educação sexual vêm, em boa parte, de um movimento da Igreja Católica dos anos 2000, com a publicação de um livro sobre a defesa do gênero como algo definido por Deus. Esse movimento foi sempre no sentido de causar pânico, incentivando as famílias a fiscalizarem os professores e professoras, reiterando que a discussão sobre sexualidade era encargo da família. O que observamos, no entanto, é que a família discute muito pouco sobre a sexualidade, justamente por ser considerada um tabu. Os posicionamentos conservadores desses grupos religiosos e de outros grupos da direita sempre vão no sentido de manter a cisheteronormatividade. Eu acredito que seja um meio de garantir os privilégios da heterossexualidade e da cisgeneridade vigentes.

 

Carlos: Muito se discute sobre a responsabilidade em educar crianças e adolescentes acerca de sua sexualidade. Neste caso, qual deveria ser o papel desempenhado pela família e o papel da escola?

 

Diniz: Famílias e escolas deveriam andar juntas em educar as crianças e adolescentes sobre a sexualidade, no entanto, quase sempre, as famílias não discutem e ao mesmo tempo não querem que a escola discuta. Na minha visão, caberiam às famílias educar sobre o respeito mútuo, independente da orientação sexual, da cor da pele, da renda, etc. Quanto à escola, caberia aos professores a discussão pautada na Ciência sobre as questões da sexualidade, buscando sempre o tensionamento do discurso cisheteronormativo, buscando dar visibilidade às experiências outras.

 

Carlos: Em sua perspectiva, como a formação docente inclusiva pode contribuir para o combate a estigmas sexistas, aos discursos e práticas homofóbicas, dentre outros tipos de violência presentes no ambiente escolar?

 

Diniz: A formação docente é fundamentalmente importante nesse processo, pois, muitas vezes, os professores e professoras reproduzem os discursos e práticas homofóbicas por falta de um conhecimento aprofundado na área, reiterando os pré- conceitos. A formação continuada pautada na inclusão é uma ferramenta que busca romper com a cisheteronormatividade nas escolas. É muito evidente que a sexualidade está em uma ampla disputa por diversos grupos, inclusive as escolas. Para tentar construir uma discussão honesta com os alunos e alunas sobre a sexualidade, é necessário que o/a docente tenha uma formação para isso e que lide bem com sua própria sexualidade, com seu corpo, com seus desejos, muitas vezes reprimidos.

 

Carlos: Você acredita que, de alguns anos para cá, a pauta sobre diversidade sexual e de gênero tem avançado na educação brasileira ou retrocedemos neste tema?

 

Resposta: Essa é uma pergunta com uma resposta bastante paradoxal. De um lado vemos muitos avanços sobre as discussões sobre as diversidades sexuais e de gênero na educação brasileira, inclusive com muitas políticas públicas sendo implementadas a fim de garantir tais discussões em sala de aula. Porém, por outro lado, observamos que nos últimos anos, houve um recrudescimento muito perigoso nessas discussões e nessas políticas. Cabe destacar que a História da Educação é marcada por um movimento pendular de avanços e retrocessos. Eu acredito que nesse momento específico de profunda crise política, estamos vivendo retrocessos. Discussões que antes eram feitas nas escolas, agora estão sob ataque e os sujeitos

e sujeitas que buscavam trabalhar a sexualidade nas salas de aula estão sob ameaça. É um momento bastante complicado. Os movimentos sociais continuam sustentando a discussão e encorajando os/as docentes a fazê-lo a despeito dessas polêmicas.

 

Carlos: Como a cisheteronormatividade influencia negativamente no percurso estudantil de pessoas LGBTQIAP+? Para você, a escola ainda é um ambiente hostil para pessoas que não se enquadram nesse padrão?

 

Diniz: Sem dúvida a cisheteronormatividade opera os discursos na escola. Ao ser reiterada nos currículos e nas práticas docentes, o percurso estudantil de sujeitos e sujeitas LGBTQIA+ é bastante conturbado. A escola, infelizmente, é um lugar muito hostil para essas pessoas, pois a todo momento, verificam-se práticas discriminatórias com relação às diversidades sexuais. O sujeito e a sujeita LGBTQIA+ sente-se quase que um monstro, pois não corresponde às expectativas da escola, da família e da sociedade cisheteronormativa e isso traz consequências complicadas para o futuro dessas pessoas.

Carlos: Quais as consequências a longo prazo das sucessivas violências de gênero e diversidade sexual praticada no âmbito escolar? Sobretudo, ao se olhar para o mercado de trabalho, para a universidade e outros setores da sociedade para onde esses alunos normalmente se direcionam após a conclusão do Ensino Médio?

 

Diniz: As consequências dessas violências atingem várias instâncias: o suicídio, por exemplo, segundo dados da UNESCO, 85% dos jovens LGBT sofrem violência homofóbica e transfóbica nas escolas do país. 45% dos estudantes transexuais desistem da escola em decorrência dessas violências. São dados bastante preocupantes, pois é o futuro dessas pessoas que está em jogo. Além do suicídio, a automutilação, a depressão, o alcoolismo, a ansiedade são algumas consequências observadas. É por conta das violências que muitos sujeitos e sujeitas se direcionam para a prostituição, por exemplo, após o Ensino Médio. Por conta do cenário extremamente transfóbico e homofóbico do mercado de trabalho do país, sujeitos e sujeitas LGBTQIA+ tem menos chances de emprego.

 

Carlos: Como podemos superar a homofobia, a violência de gênero e tantos outros preconceitos que envolvem a diversidade sexual no ambiente escolar? O que falta para que as escolas sejam um ambiente realmente plural, respeitoso e inclusivo?

 

Diniz: Superar essas violências nas escolas é um processo bastante longo e desgastante, porém, precisamos assumir a tarefa de forma implicada. Lutar contra essas violências é função ética e política dos professores e professoras, pois temos que garantir um ambiente de equidade aos nossos alunos e alunas, independentemente de suas orientações sexuais, de gênero, de raça ou de classe social. Temos que prezar pelo respeito sempre, incentivando-o como uma prática de todos e todas e ir além do respeito, trabalhando o consentimento à diferença. Acredito que faltam investimentos e escopo político para que as escolas possam introduzir as discussões sobre gênero e sexualidade em seus projetos pedagógicos, pois sem investimento e sem apoio em uma formação docente qualificada, é muito difícil sustentar essas discussões; a tendência docente tem sido ignorá-las. Precisamos de projetos e pesquisas para conseguir sensibilizar os alunos e alunas e suas famílias para esta discussão, pois é com ela que conseguiremos proporcionar um horizonte de expectativa mais plural, inclusivo e respeitoso. Convidar os movimentos sociais, exibir filmes sobre a temática e propiciar que o tema saia do silenciamento por meio de pesquisas é o que podemos fazer por ora. Nesse período (2020/2022) oriento a pesquisa de Guilherme Soares que visa trabalhar a temática da sexualidade em relação ao discurso pedagógico na região de Mariana. Esperamos após a pesquisa poder contribuir com as escolas da região.

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"vivências LGBTQIAP+ no Ensino Médio"
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